Ouvir a frase que ecoava repetidas vezes “Ninguém abandona a
defesa dos povos da floresta e ninguém desiste do legado de Chico Mendes”,
durante o Encontro para celebrar a memória desse líder de tantos legados, nos
enchia de emoção e renovou nossa esperança – do verbo esperançar, na construção
de trincheiras de resistência.
Um pouco de história
Há 30 anos, Chico Mendes, com 44 anos de vida, foi
assassinado em consequência de sua luta em defesa do solo amazônico e do
direito dos povos da floresta. A batalha era desigual. De um lado estava o
interesse econômico que tinha a floresta como dificultador da expansão do
latifúndio e precisava ser derrubada. Do outro, as comunidades que convivem com
a natureza, defendendo as infinitas riquezas que ela oferece sendo mantida de
pé.
Chico iniciou sua militância como sindicalista. Foi
secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia. A partir
de então, participou ativamente das lutas dos seringueiros para impedir o
desmatamento. A tática utilizada pelos manifestantes era o “empate” –
manifestações pacíficas em que os seringueiros protegem as árvores com seus
próprios corpos
Em 1977 fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Xapuri Nesse ano foi eleito vereador pelo MDB. Recebe as primeiras ameaças de
morte por parte dos fazendeiros. Essa situação traz problemas com seu próprio
partido, descompromissado com as causas pelas quais Chico Mendes lutava. Em
1979, usa seu mandato para promover um foro de discussões entre lideranças
sindicais, populares e religiosas na Câmara Municipal de Xapuri. Acusado de
subversão, é preso e torturado.
Em 1980, Chico Mendes ajudou a fundar o Partido dos
Trabalhadores, sendo uma de suas principais lideranças no Acre e tendo
participado de comícios ao lado de Luis Inácio Lula da Silva na região.
Chico Mendes foi o precursor sindical no CUT da causa
ambientalista. Foi ele que levou ao 3º CONCUT a tese Em Defesa dos Povos da
Floresta, aprovada por aclamação pelos seis mil delegados presentes. A partir
desse momento a luta por direitos e por terra com uma visão global entra na
pauta sindical, convocando a todas e todos para se juntarem ao cuidado da
Amazônia, espaço privilegiado pela sua biodiversidade e com capacidade de
produzir vida em abundância não somente ao Brasil, mas para o planeta.
A repercussão internacional da tragédia forçou a criação de
reservas extrativista. Em 1990 foram criadas as primeiras quatro, entre as
quais a reserva Chico Mendes, no Acre. Hoje, são quase 100 unidades de
conservação. O uso comum e coletivo das áreas de floresta pelas populações
extrativistas cresceu e se tornou política pública em outros biomas
brasileiros.
O retrocesso
O aprofundamento da ganância, agravado com o desrespeito ao
meio ambiente e a desconsideração pelos diretos dos povos da Amazônia começa
sua manifestação com o golpe contra a democracia em 2016.
O governo eleito deixa claras suas intenções de destruir
reservas indígenas e avançar suas garras antinacionalistas sobre as riquezas
dos territórios que tem garantido a vida de milhares de pessoas. O Congresso
eleito, com representantes do agronegócio também é pouco tolerante com a causa
ambiental.
A continuidade do compromisso com a vida
O Encontro de Xapuri deixa claro o compromisso com a
resistência e com a determinação de ir além, de buscar caminhos, de garantir a
vida do meio ambiente e das pessoas.
A Carta de Xapuri, manifesto construído coletivamente para
reafirmar o compromisso com a defesa da Amazônia, das populações que nela vivem
e impulsionar o pacto de gerações entre as lideranças do ontem, hoje e do
amanhã, proclama: “mais de 500 pessoas de todas as partes do Acre, da Amazônia, do Brasil e do planeta, nos
reunimos na sua cidade de Xapuri-Acre para honrar sua memória e defender seu
legado”
E continua: “Só mesmo você, Chico, para nos fazer seguir sonhando ante os
retrocessos que se anunciam já nas primeiras decisões de um governo eleito que
ainda nem tomou posse e já retira do Brasil o direito de sediar a próxima
Conferência do Clima, já declara guerra aos sindicatos, às organizações da
sociedade civil, aos movimentos sociais, aos direitos conquistados pela
juventude, pelas mulheres, pelos povos indígenas, pelas comunidades
quilombolas, ribeirinhas, extrativistas, pelos povos da floresta e por todas as
populações tradicionais do Brasil”.
A Carta saúda o legado de Chico Mendes e se compromete com a
continuidade de sua luta ao dizer “Tomara, companheiro Chico, que as conquistas
desse seu legado, resultado da nossa resistência nessas últimas três décadas,
das alianças que você tão generosamente construiu com os mais variados
parceiros da floresta e de fora dela, sensibilizem os corações e mentes de quem
está chegando ao poder para continuar respeitando e trabalhando junto aos
nossos povos da floresta, em defesa de nossos territórios, da conservação
ambiental e dos direitos sociais do povo brasileiro.”
O compromisso é nosso. Militantes, sindicalistas,
organizações sociais, precisam resgatar o legado de Chico Mendes, que para além
da defesa do meio ambiente apontava desde então, a necessidade de que
trabalhadoras e trabalhadores da cidade, do campo e da floresta assumam a causa
que e de todos: a defesa de vida digna para todas e todos, independentemente do
território que os acolhe.
“Ninguém abandona a defesa dos povos da floresta!
Ninguém desiste do legado de Chico Mendes!
Ninguém solta a mão de ninguém!”
Rosilene Corrêa é dirigente sindical no SINPRO/DF, na CNTE
e na CUT
(jornalatribuna)
(jornalatribuna)
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